VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
Em casa ou no trabalho, deve ser preocupação do empregador
Um alerta divulgado pelo The Kentucky Injury Prevention and Research Center (KIPRC) –entidade ligada ao Departamento de Saúde Pública e à Escola de Saúde Pública da Universidade do Kentucky – destacou os perigos da violência contra as mulheres nos ambientes de trabalho. De 1998 a 2018, constatou o levantamento, 22% de todas as mortes ocorridas em empresas, escritórios, canteiros de obras e outros setores da atividade laboral, as vítimas foram mulheres, enquanto entre os homens, no mesmo período, a estatística estabilizou em 5%.
Estes números deixam claro que, infelizmente, a questão da violência contra a mulher é muito mais ampla do que se imagina e não está restrita apenas ao ambiente doméstico.
Este lado do problema, sem dúvida, é uma grande preocupação para nós que atuamos no setor de segurança do trabalho.
De acordo com o KIPRC, no Kentucky, localizado no sudoeste dos Estados Unidos, os homicídios que integram as estatísticas citadas acima são a segunda maior causa de mortes de mulheres dentro dos locais de trabalho, atrás apenas dos acidentes automobilísticos. Estas informações foram reveladas pela revista “The Synergist” em setembro passado.
Na matéria estão as recomendações da instituição para evitar o problema.
São ações simples de serem colocadas em prática e de grande importância. Creio na eficácia dessas estratégias para a elevação do nível de segurança para as trabalhadoras.
A lista de recomendações começa com o desenvolvimento e a implementação de um sistema preventivo, incluindo uma regra de tolerância zero: não se pode deixar de apurar os fatos, auxiliar as vítimas e punir os agressores.
Outros métodos indicados ressaltam a necessidade de uma análise das vulnerabilidades da empresa em relação à violência, o treinamento de todos os colaboradores para que estes saibam como reconhecer sinais potenciais de agressão entre colegas, impor medidas de segurança nos locais de trabalho e conduzir pesquisa de antecedentes de futuros empregados para impedir o ingresso dos que já tenham um histórico de violência. Avalio que é fundamental executar cada um destes passos para que o resultado esperado aconteça.
Para um maior conhecimento sobre os dados elencados nos Estados Unidos, recomendo a leitura do alerta do KIPRC, que está disponível no link bit.ly/kiprc-hazalert. É importante também conhecer trabalho semelhante distribuído pelo American Journal of Preventive Medicine (AJPM).
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Pesquisas no Brasil
O site Extra Classe, mantido pelo Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (SINPRO/RS), publicou uma reportagem, em dezembro de 2019, indicando que no Brasil (estimativa do ano anterior) apontava para 536 mulheres agredidas a cada hora.
O número de ocorrências motivou o Instituto Maria da Penha, o Instituto Vasselo Goldoni e o conjunto empresarial Talenses Group, que atua na área de recrutamento profissional, a fazerem uma pesquisa com 311 empresas, sendo 38% nacionais e 62% estrangeiras. O objetivo era conhecer como a questão é tratada entre os participantes. A iniciativa gerou o estudo “Violência e Assédio contra a Mulher no Mundo Corporativo”.
O material de 27 páginas reuniu grupos de gestão profissional (72%) e familiar (27%), sendo que 1% não indicou o método de gerenciamento. Entre todos, 64% eram do setor de serviços, 28% da indústria e 7% do comércio, 66% trabalham em regime de capital fechado, 21% operam em modo aberto e negociando na Bolsa de Valores e 3% eram de capital misto.
A metade dos entrevistados representava empresas de porte grande (acima de 499 funcionários). Um total de 30% era de tamanho médio (de 100 a 499 colaboradores) e 19% tinha nível pequeno, empregando até 100 pessoas. Entre todas, 49% da mão de obra era feminina.
O resultado é, como se pode imaginar, muito preocupante. “Apesar de 68% das empresas consultadas terem considerado necessário dedicar tempo à abordagem da violência doméstica sofrida por funcionárias, apenas 19% desenvolvem políticas e ações de combate ao problema. Deste total, 11% declararam que esse engajamento se dá por meio de campanhas de sensibilização e conscientização”, informou a matéria.
Ainda de acordo com o Extra Classe, que também tomou como base informações da Agência Brasil, só 9% das empresas tinham um canal de ouvidoria para dar apoio às funcionárias e, proporcionalmente, era igual à taxa de companhias que disponibilizavam serviço psicológico externo e apoio jurídico, enquanto apenas 5% tinham tal serviço no ambiente de trabalho. Entre todos os ouvidos, 13% sequer sabiam se tinham opções de enfrentamento à violência.
Analisando as conclusões da pesquisa, percebe-se que 55% das empresas não monitoravam internamente os casos de mulheres que sofriam algum tipo de violência. Pior, também não existia nenhuma forma de atuação para evitar isso. O quadro era o mesmo quando o foco das ocorrências era a residência das colaboradoras. No grupo das empresas de capital misto o índice chegava a 89%, nas de capital fechado era de 70% e nas de capital aberto fica em 60%.
Além de ser uma preocupação de caráter humano, considero que a dedicação ao bem-estar dos colaboradores, independente de gênero e orientação sexual, é uma obrigação básica para qualquer empregador, que corre o risco de vivenciar uma queda no rendimento de quem lhe presta um serviço. Afinal, a pessoa agredida em casa tende a faltar no trabalho, talvez por vergonha de uma mancha provocada por socos ou tapas, talvez para se recuperar de alguma lesão. Outra possibilidade é a falta de concentração durante o exercício da profissão, que certamente terá como consequência os erros que elevam a possibilidade de acidentes e prejuízos.
Assédio moral e sexual
Os números chamam atenção também quando avaliamos o tema assédio sexual e moral contra a mulher nos locais de trabalho. A pesquisa informou que no ramo de serviços 40% das empresas entrevistadas não tinham medidas preventivas para combater os dois problemas. Na indústria o total era de 24% e, no comércio, de 30%. Entre as empresas grandes, a taxa era de 20%, mas subia para 50% e 51% nas médias e pequenas, respectivamente. Para as de regime profissional, 30% também não executavam nenhuma ação, enquanto nas de gerenciamento familiar o número era de 47%.
O Talenses Group focou sua atenção nesta vertente da violência e elaborou um novo estudo, publicado em maio de 2019. A intenção era averiguar o posicionamento de quem emprega e as hierarquias envolvidas nos casos. Foram ouvidas 3215 pessoas, de ambos os sexos, sendo 58% homens e 42% mulheres nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Funcionários dos ramos de serviços, tecnologia e computação e bens de consumo, que trabalhavam empresas de grande, médio e pequeno porte, sendo 73% atuando em cargos de liderança e 27% dentro da área operacional.
Novamente, os números assustam. Entre todos os entrevistados, 52% conheciam alguém que havia sido vítima de assédio sexual no trabalho por pessoa hierarquicamente superior (entre as mulheres o total crescia para 61%). Questionados se alguém já havia se valido da condição hierárquica para obter vantagem ou favorecimento sexual, 21% responderam sim, mas entre as trabalhadoras, esse total subia para 34%. Entre elas, 79% relataram assédio sexual verbal, 19%, assédio físico e 2% não especificaram.
A maioria dos agressores ocupavam cargos superiores (57%), sendo que gestores diretos representavam 41% e só 2% eram de funções inferiores às ocupadas pelas vítimas. Impressiona ainda que 65% dos casos não foram reportados, sendo que o medo de ser demitida era o primeiro motivo, seguido pelo receio de nada acontecer com o agressor e pelo sentimento de culpa por a mulher achar que provocou o assédio.
As consequências entre os casos onde houve denúncia, de acordo com o estudo, têm certo equilíbrio. Lamentavelmente, nada foi feito em 27% das ocorrências e em outros 26% a empresa pediu sigilo sobre o caso e nada ocorreu com quem agrediu. Por outro lado, a taxa de situações em que aconteceram investigações e o agressor foi penalizado era de 26% e de 20% quando os empregadores pediram sigilo, mas puniram os culpados.
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Muito a se fazer
Pedi mais esclarecimentos para o Talenses Group sobre os dados das pesquisas. A gerente de Comunicação, Marketing e Inteligência de Mercado da instituição, Carla Fava, lamentou que o número de empresas que já possuem processos estruturados de ações voltadas contra a violência doméstica da mulher é baixo. “Em nossa pesquisa, somente 19% afirmaram ter políticas e ações voltadas para a temática. Por outro lado, o número de empresas que possuem ações e políticas voltadas para o empoderamento da mulher vem aumentando ano após ano (53% afirmam ter ações e políticas no mesmo levantamento)”, comentou.
Para ela, esse é um “sinal positivo”, pois este “geralmente é o primeiro passo das organizações que começam a se movimentar a favor das questões que envolvem a mulher”.
Mas, avaliou Carla, ainda há muito que se fazer do ponto de vista organizacional. “Os (as) líderes precisam perceber que a violência doméstica, apesar de não acontecer dentro dos muros da organização, é um problema que a empresa de ve endereçar sim dentro de sua função social e de respeito e proteção aos seus (suas) próprios (as) colaboradores, além dos malefícios que este problema pode causar ao próprio negócio”, argumentou.
Questionei se há um método eficaz para sensibilizar os gestores de que a violência contra a mulher precisa ser enfrentada com muito mais intensidade e periodicidade e não apenas sobre os casos ocorridos no ambiente de trabalho.
Carla respondeu que fazer a empresa olhar sob a ótica de performance e da produtividade é uma forma. “É óbvio que para cada mulher que sofrer uma violência, a empresa precisará arcar com os custos relacionados à saúde mental e física dessa colaboradora”, explicou.
Mas essa não é a única alternativa. “Precisamos olhar as pessoas como seres humanos em primeiro plano. O ciclo da violência em que essa mulher se encontra, muitas vezes tem mais dificuldade de ser interrompido, uma vez que para conseguir se separar do marido ela precisa de uma fonte de renda e independência financeira. Ou seja, se manter no emprego é um passo importante para a quebra desse ciclo”, sugeriu.
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Cristiano Cecatto
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